Comportamento
Crônica
Não está fácil ser mulher
Texto: Ananda Almeida
Apuração: Hannah Sombra e Ana Paula Nascimento
O que define o gênero de uma profissão? Esses dias me questionei a respeito disso. Me disseram que profissões perigosas são feitas para homens e as mulheres gostam mais de coisas calmas e seguras. Fiquei ainda mais curiosa e decidi procurar ao meu redor para descobrir se era mesmo assim. Conheci cinco histórias de total inspiração. Histórias de mulheres que mesmo com as adversidades honram seus ofícios e amam o que fazem, mas que infelizmente lidam diariamente com um forte machismo existente em determinadas áreas.
A primeira história é a da Martha Almeida. Ela é uma estudante de engenharia agronômica. Assim como a dos demais universitários que conhecemos, sua rotina é longa e cansativa. Da sua casa à universidade, ela leva 2h 30min de ônibus e as aulas duram o dia inteiro. Ela sai de casa cedinho e só volta às 21h. Ainda assim é uma das melhores alunas da sala.
Martha faz isso seis vezes por semana há quatro anos e meio, desde que foi aceita no vestibular da Universidade de Brasília (UnB) - a mais concorrida do Distrito Federal. Fez tudo com seu esforço, sua capacidade. Mas ainda assim, quando entra na sala de aula, é obrigada a ouvir um “mulher não sabe capinar”. Ou mesmo “meninas são frescas, não querem sujar as unhas” dos educados colegas de turma.
Nesse mesmo cenário universitário está a estudante de direito Karine Sloniak. Esse é um segmento que por muito tempo foi dominado por homens, e a jovem de 21 anos percebeu que, mesmo com a grande ascensão de mulheres em seu curso, o preconceito está longe acabar.
Seu pai é mestre em direito, isso a ajudou na hora de escolher essa área. Em todos os anos que atua na profissão, ele nunca foi constrangido pelo fato de ser homem. Karine, no entanto, perde as contas de quantos enxeridos lhe dirigiram a palavra para dizer que homens têm mais culhão para lidar com a advocacia do que mulheres.
Bianca Gonzaga cursa engenharia de produção. Ela ama o que faz. Não se importa com o que os outros falam, mas logo percebeu a competitividade que existe em seu meio. Seria mais cômodo informar que é uma simples competição profissional, mas a verdade é que os garotos da turma se sentem superiores às garotas e as subestimam. Elas, por sua vez, percebem que ser mulher é precisar ser três vezes melhor em tudo que fazem para poderem, enfim, serem consideradas “boas”.
Após ouvir as três estudantes pensei que, talvez, fosse a falta de empatia dos jovens que causasse tamanha diferenciação nas salas de aula. Dessa forma, procurei profissionais dispostas a compartilhar suas experiências. Foi assim que conheci Tatiana Bosqueto.
No auge de seus 43 anos, ela é mãe de três filhos e esposa. É formada em publicidade e propaganda, mas a pouca experiência que teve na área não foi das melhores. Logo de cara percebeu que eram apenas homens na equipe e seu salário era o menor, mesmo exercendo funções de grau hierárquico idêntico. Trabalhou, muitas vezes, até mais que eles, e assim notou nitidamente que não teria o crescimento e a oportunidade que eles tinham.
Dessa forma decidiu ir em busca de outras coisas. Passou em um concurso público e hoje atua como agente penitenciária para o Governo do Distrito Federal - GDF. Agora tudo vai finalmente seguir os eixos, certo? Errado. O que não há de diferença no salário sobra de diferenciação de tratamento para homens e mulheres.
Assim que chegou no novo emprego, Tatiana já percebeu que ali a mulher era discriminada pelo simples fato de ser mulher. Sofreu assédio moral, sexual e ainda se sentia culpada pelo ocorrido. Ela relatou: “Só fui entender o que tinha acontecido comigo e que eu não merecia aquilo depois que eu entrei para o movimento de mulheres”.
Mesmo deixando claro sua insatisfação, a agente ouve diariamente piadas machistas e ainda lida com os companheiros que subestimam sua capacidade. Ela contou sua dificuldade para conseguir fazer a chefia entender que ela também poderia coordenar um bloco. Mesmo trabalhando lá há nove anos e meio, nunca havia tirado uma folga de coordenação porque eles nunca deixaram uma mulher coordenar. Então ela explicou que mulher coordena com inteligência, que possui força sim e quando for necessário agir, ela terá capacitação, pois fez o mesmo curso que todos eles para isso. “Eles me deram a coordenação e foi o primeiro mês de uma mulher lá.”, disse Tatiana.
Por mais surpreendente que pareça, após toda a luta e conquistas alcançadas, já chegou a ouvir “e aí, deu pra quem pra conseguir esse cargo?”, de pessoas que exemplificam o descaso com seu esforço.
Enquanto Tatiana busca compreensão no trabalho, Marciene Ferreira procura o mesmo dos amigos e familiares. Marciene é vigilante para uma empresa privada de segurança. Apesar de não se sentir ameaçada com o que trabalha, cansou de ouvir que é uma profissão perigosa e que isso é coisa para homem. Certa vez, um amigo chegou a lhe dizer: “cuidado pra não pegar posto armado, as mulheres não estão preparadas pra isso”.
No entanto, a maior frustração para Marciene não foi apenas ter ouvido tantas críticas e sim que muitas delas tenham vindo de mulheres, pois segundo ela, as mulheres deveriam se apoiar.
Depois de ler tantos depoimentos, me senti triste por pensar que essas mulheres representam milhões de outras que vivem essa situação todos os dias. A única motivação é sua própria força de vontade. Por isso nenhuma delas quer deixar sua profissão. Coisa de homem? Quem disse? E ainda incentiva: “se joga, querida! E se sentir medo vai assim mesmo.”
Karine sonha um dia ser uma grande advogada, até mesmo juíza e Bianca ainda alerta as mulheres sobre a triste realidade do mercado: “por mais que nós estejamos aqui, o caminho ainda é longo. Ninguém está muito preocupado com as suas necessidades e limites e você tem que provar seu valor todo dia. Mas vale a pena, se for algo que você realmente quer.”
Ao mesmo tempo, as duas profissionais que já conhecem toda essa parte ruim e já puderam sentir na pele o peso do preconceito continuam firmes em seus lugares. Elas dizem que não se deve deixar ser desacreditada pelo fato de ser mulher e que juntas todas podem ir bem mais além.
O que aprendi ao fim de todos os relatos é que profissão não tem gênero. O que faz o emprego é o funcionário, seja ele do sexo feminino ou masculino. A mulheres são tão capazes quanto qualquer outro companheiro de trabalho. Então de onde vem tanta diferenciação?
Descobri que os dois trabalham, os dois fazem e os dois podem. Mas só um sofre por isso. Eu não culpo as pessoas que decidiram se dedicar a algo que gostam, mas sim àquelas que não reconhecem a outra por sua capacidade.
Agora que constatei que isso de coisa de homem e coisa de mulher é fictício vou logo fazer as aulas de luta que tanto adiei.